Desenvolvimento da dentição decídua
Autores
Isadora Alves – Graduanda em Odontologia, UFPR.
Yohana Lourenço Dias – Graduanda em Odontologia, UFPR.
Profa. Dra. Juliana Feltrin de Souza Caparroz – Professora da disciplina de Odontopediatria, UFPR.
Desenvolvimento da dentição no período pré-natal – Odontogênese:
A cavidade oral é formada por várias estruturas inter-relacionadas, como dentes, estruturas ósseas, músculos, ligamentos, glândulas, tecido nervoso e vascular. Com relação ao desenvolvimento dentário, cada indivíduo possui duas dentições ao longo de sua vida: decídua e permanente.
O desenvolvimento dentário inicia-se ainda no período pré-natal, ao final da quinta semana de vida intrauterina. Com uma proliferação intensa das células do epitélio oral, forma-se a lâmina dentária que será futuramente os arcos dentários superior e inferior (maxila e mandíbula), e dará origem aos germes dos dentes decíduos.
Por volta da sétima semana de vida intrauterina surgem 10 tumefações epiteliais espaçadas em cada lâmina dentária, que correspondem ao germe dos dentes decíduos, recebendo nessa primeira fase, o nome de broto/botão dentário. Os botões superiores e inferiores decíduos têm sua formação completa ao final da oitava semana de vida intrauterina.
Continuando o desenvolvimento dentário, ocorrem as fases de capuz e campânula, nas quais acontecem diversas mudanças histomorfológicas no germe dentário, composto pelo órgão do esmalte, papila e folículo dentário. O órgão do esmalte é formado pelo epitélio interno, que é responsável pela formação do esmalte dentário, epitélio externo e entre eles, as células do retículo estrelado. Abaixo do órgão do esmalte, localizase a papila dentária, responsável pela formação da dentina e polpa dentária. O tecido condensado que limita a papila e o órgão do esmalte, denomina-se folículo dentário e tem papel importante na formação dos tecidos de suporte do dente (cemento, ligamento periodontal e osso alveolar).
Ao final da fase de campânula, já é possível visualizar a forma da coroa dentária e se inicia a deposição dos seus tecidos duros (esmalte e dentina). Ainda nesse estágio, a partir da bainha epitelial de Hertwig, estrutura originada da junção e proliferação das células do epitélio interno e externo do órgão do esmalte, há o início da formação da raiz dentária, que será fundamental para o processo eruptivo.
Além dos germes dentários decíduos, na fase pré-natal também ocorre o início da formação dos germes dos dentes permanentes, por volta da décima semana de vida intrauterina, sendo estes, extensões mais profundas da lâmina dentária.
A- Fase de
Broto/Botão |
B- Fase de Capuz
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C- Fase de Campânula
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D- Campânula Avançada
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E- Início da formação
Radicular
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1. Epitélio Oral
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2. Lâmina Dentária |
3. Órgão do Esmalte(OE) |
4. Papila Dentária
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5. Epitélio Externo do OE
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6. Retículo Estrelado
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7. Epitélio Interno
do OE
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8. Esmalte em Formação
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9. Osso Alveolar
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10. Dentina em Formação
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11. Germe do Permanente
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Fonte: Odontopediatria: Uma visão contemporânea, Guedes-Pinto, 2017 |
Desenvolvimento da dentição no período pós-natal
1. Período pré-dentário:
Do nascimento até os seis meses de vida, observa-se uma intensa rugosidade palatina e ainda não há dentes irrompidos na cavidade oral do bebê. Nessa fase, os alvéolos são recobertos por um espessamento da mucosa chamado de roletes gengivais, com contorno semicircular no arco superior e contorno em forma de U, no arco inferior. Em razão da falta de contato na região anterior dos roletes, a língua para preencher esse espaço, posiciona-se mais anteriormente. Além disso, para facilitar a lactação, a maxila se encontra em uma posição mais protruída em relação à mandíbula e há o vedamento na região anterior, pelo cordão fibroso de Robin e Magitot, que desaparece quando irrompem os primeiros dentes decíduos.
Em alguns casos, podem ocorrer precocemente os dentes natais e neonatais, que são aqueles presentes já no nascimento ou nos primeiros trinta dias de vida. É importante avaliar se esses dentes fazem parte da dentição decídua ou se são dentes supranumerários, e isso determinará o plano de tratamento.
Ainda nessa etapa de vida, a sensibilidade tátil na cavidade oral é mais desenvolvida que na ponta dos dedos, fazendo com que os bebês levem objetos à boca para avaliar seu tamanho e textura. Ademais, as funções orais neonatais, como sucção, deglutição e respiração são de fundamental importância para o desenvolvimento craniofacial e todas as suas estruturas.
Fonte: Lopes-Fatturi A, Menezes JVNB, Fraiz FC, Assunção LRdS, de Souza JF. Systemic Exposures Associated with Hypomineralized Primary Second Molars. Pediatr Dent 2019;41(5):364-70 |
2. Erupção dentária:
A irrupção dentária é o processo a partir do qual o dente se expõe na cavidade oral. Já a erupção dentária é um fenômeno longo que tem início na odontogênese, continua com a irrupção do dente na cavidade bucal e finaliza quando a oclusão está estabelecida.
Para a ocorrência da erupção são necessárias muitas mudanças das estruturas que compõem a cavidade bucal, além de movimentos dentários divididos em fases: movimentação pré-eruptiva, erupção intraóssea, penetração na mucosa, erupção pré-oclusal e erupção pós-oclusal.
- Fase de movimentação pré-eruptiva: essa fase é caracterizada pelo aumento dos maxilares em todas as suas dimensões, causando a movimentação do germe dentário para acompanhar esse crescimento, o chamado “movimento de corpo”. Além disso, ocorre o crescimento radicular causando o “movimento excêntrico”, no qual parte do germe dentário cresce enquanto a outra permanece imóvel. Nessa fase, nota-se o apinhamento dos dentes anteriores devido ao aumento no tamanho de suas coroas, o que é suavizado com o aumento em comprimento dos maxilares.
- Erupção intra óssea: caracterizada pelo movimento do germe dentário até a penetração da mucosa, nessa fase ocorre reabsorção e formação óssea seletivas, além de alterações nos tecidos que compõem o germe dentário, crescimento radicular, formação do ligamento periodontal e epitélio juncional. Com relação a velocidade de erupção, nessa fase há variação entre 1 e 10mm/dia, dependendo do dente.
- Penetração na mucosa: nessa fase as cúspides que estão em formação chegam a altura da crista alveolar e penetram na mucosa epitelial. Há a ainda a liberação de IgE, pelas células que recobriam o germe dentário, causando uma reação de hipersensibilidade local, que pode acarretar em um sutil aumento de temperatura corporal da criança.
- Erupção pré-oclusal: continuando o movimento eruptivo, o dente se desloca até o plano oclusal, sofrendo influência de fatores externos como, hábitos deletérios dos bebês, forças musculares e crescimento craniofacial. À medida que o dente irrompe, o canal gubernacular - formado por restos de lâmina dentária e tecido conjuntivo - se alarga para permitir a irrupção da coroa. Ocorre ainda a remodelação do ligamento periodontal já estabilizado, a fim de auxiliar na irrupção. Os movimentos dessa fase são: excêntrico, de rotação e de acomodação.
- Erupção pós-oclusal: Nessa etapa o dente já se encontra no seu plano oclusal funcional, mantendo movimentos lentos e imperceptíveis ao longo da vida da criança. A principal função desses movimentos é manter o dente na sua posição mesmo com o crescimento das estruturas ósseas, além de compensar os desgastes oclusal e proximal.
Cronologia e sequência de irrupção:
A partir do sexto mês de vida inicia-se a irrupção dos primeiros dentes decíduos, tendo a formação completa da dentição decídua entre 2 à 3 anos de idade, com 20 elementos dentários.
Os primeiros dentes a irromper são os incisivos centrais, sendo os inferiores entre 6 e 10 meses de vida e os superiores, entre 8 e 12 meses. Na sequência, ocorre a irrupção dos incisivos laterais superiores entre 9 e 13 meses e incisivos laterais inferiores, entre 10 e 16 meses. Os primeiros molares são o próximo grupo dentário a aparecer na cavidade bucal, os superiores entre 13 e 19 meses e os inferiores entre 14 e 18 meses. Os caninos superiores surgem entre 16 e 22 meses e são sucedidos pelos caninos inferiores, entre 17 e 23 meses. Finalizando a dentição decídua, o último grupo dentário a irromper são os segundos molares, primeiro os inferiores entre 23 e 31 meses, seguido pelos superiores entre 25 e 33 meses.
A partir da esfoliação dos dentes decíduos, que se inicia entre 6 e 7 anos, e da erupção do primeiro dente permanente, por volta dos 7 anos, se estabelece na cavidade bucal a chamada dentição mista, envolvendo os dois tipos dentários, decíduos e permanentes. Essa fase dura até os 10 - 12 anos, quando ocorre a esfoliação dos últimos dentes decíduos, estabelecendo então a dentição permanente.
No entanto, é importante ressaltar que essas médias de idades citadas pela literatura, podem variar de criança à criança, não sendo uma regra que os dentes irrompam ou esfoliem exatamente na idade sugerida.
Fonte: ADA (American Dental Association) |
Fonte: https://www.malvatrikids.com.br/a-ordem-de-surgimento-dos-dentinhos |
Fatores que afetam a cronologia e sequência de erupção
A erupção dentária pode ser influenciada por muitos fatores, desde fatores genéticos, que são de maior importância, até fatores ambientais, com menor intervenção na cronologia e sequência de erupção. Com relação a variação de erupção ligada ao gênero, na dentição decídua não há diferenças entre meninos e meninas, já na dentição permanente, as meninas têm seus dentes irrompidos mais precocemente.
Os fatores ambientais, mesmo que em menor escala, também exercem sua influência, retardando ou acelerando o processo eruptivo. Ao comparar a erupção dentária de crianças que moram em grandes centros e na zona rural, observa-se que nas primeiras esse processo ocorre mais precocemente. Já com relação à países tropicais e países com temperaturas mais baixas, as crianças que vivem em menores temperaturas têm seu processo eruptivo mais retardado.
Dentre os fatores sistêmicos que afetam a erupção dentária estão os problemas endócrinos, como por exemplo o hipotireoidismo e hipopituitarismo, que retardam o processo eruptivo. Além disso, a desnutrição associada à falta de vitaminas A, C e D, o nascimento prematuro e a síndrome de Down, são outras condições que podem retardar o aparecimento dos dentes decíduos.
Com relação aos fatores locais, o hematoma de erupção é uma das condições mais comuns que pode ocasionar retardo no processo eruptivo. Outra situação que pode ocorrer é a anquilose dentoalveolar, na qual há a união da raiz dentária com o osso alveolar, impedindo que o dente entre em seu plano de oclusão adequado.
Sintomas decorrentes do processo de erupção dos dentes decíduos
O surgimento dos dentes é um processo fisiológico, mas que pode causar alguns incômodos às crianças, como por exemplo, febre, irritabilidade, excesso de salivação, diarreia, inflamações na gengiva, insônia e entre outros. No entanto, ainda é discutido na literatura se esses sintomas são devido ao processo eruptivo ou se trata da fase da criança, na qual ela leva muitos objetos à boca, podendo acarretar nessa sintomatologia.
Referências
GUEDES-PINTO, Antonio Carlos. Odontopediatria. 9. ed. Rio de Janeiro: Santos Editora, 2017.
DUQUE, Cristiane et al. Odontopediatria: uma visão contemporânea. São Paulo: Santos Editora, 2013. 698 p.
SCARPARO, Angela. Odontopediatria: bases teóricas para uma prática clínica de excelência. Barueri: Manole, 2021.
BAUSELLS, João; BENFATTI, Sosígenes Victor; CAYETANO, Maristela Honório. Interação odontopediátrica: uma visão multidisciplinar. São Paulo: Santos Editora, 2011. 382 p.
IMPARATO, José Carlos Pettorossi. Anuário de odontopediatria clínica: integrada e atual. Nova Odessa: Napoleão, 2013. 208 p.
LOPES-FATTURI, Aluhê; MENEZES, José Vitor Nogara Borges; FRAIZ, Fabian Calixto; DA SILVA ASSUNÇÃO, Luciana Reichert; DE SOUZA, Juliana Feltrin. Systemic Exposures Associated with Hypomineralized Primary Second Molars. Pediatr Dent, 2019. 41(5). 364-70 p.
NANCI, Antonio. Ten Cate: Histologia Oral. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 352 p.
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